sexta-feira, 14 de setembro de 2012

A metalinguagem na sétima arte


Samantha Bruna


“É difícil saber onde começa e onde acaba a representação de um sentimento.”
(Fala de Ana em Romance)

        Diálogos reflexivos e bem fundamentados recheiam, mais uma vez, o trabalho de Guel Arraes. Em parceria com Jorge Furtado, o diretor, responsável por três dos filmes de maior sucesso no Brasil: “Lisbela e o prisioneiro”(2003), “Caramuru – A invenção do Brasil”(2001) e “O auto da compadecida”(2000), nos oferece mais uma obra-prima do cinema brasileiro: o filme Romance (2008). 
      Utilizando como pano de fundo o denso romance entre Pedro – um diretor-ator de peça teatral (Wagner Moura) e Ana – uma atriz (Letícia Sabatella) e um elenco cuidadosamente selecionado (Marco Nanini, José Wilker e Andréa Beltrão), o roteiro de Romance possui as características da nova geração de filmes brasileiros. Geração esta que tem conseguido consolidar-se no cenário mundial sem utilizar a apelação sexual característica dos filmes criados antes dela.
      Através de uma preocupação notável com a elaboração dos diálogos, o filme extrapola os limites cinematográficos e traz para o expectador questionamentos que desvelam as estruturas teatral e televisiva, tão familiares e, ao mesmo tempo, tão além da percepção de milhares de pessoas que desconhecem a dinâmica por trás das telas e, principalmente, por trás das cortinas. 
      Na trama, Pedro é encarregado de fazer uma adaptação para a televisão da peça medieval Tristão e Isolda que ele representa com Ana na primeira parte do filme. A grande “sacada” presente no roteiro ocorre na segunda parte do filme, através da reorganização linguística dos diálogos da peça, realizada pelo personagem para transformar o romance medieval em um romance vivido há cem anos, no sertão da Paraíba. Pedro o faz adaptando a linguagem da história clássica, supostamente ao alcance de pessoas com certo grau cultural,, para uma linguagem que alcance outras realidades sociais, considerando a perspectiva interacional desta mesma linguagem diante dos diferentes contextos. 
      Quem espera ir ao cinema e encontrar uma tórrida história de amor certamente encontrará. Quem espera um pouco de suspense e pitadas de humor inteligente não sairá decepcionado. Mas para os telespectadores mais atentos ou para os cinéfilos ávidos por descobrir as ideologias por trás das palavras, Romance, além de tudo isso, mostrará como os papéis sociais, seja na vida ou na ficção, podem ser determinados pelas práticas letradas. E que essas práticas condicionam sim comportamentos e atitudes dos quais, muitas vezes, nem temos consciência.

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