sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Fera domada



Bruno Carmelo

O comediante Sacha Baron Cohen ficou famoso por seu humor corrosivo, politicamente incorreto, voluntariamente grosseiro e vulgar. Em Borat e Brüno, ele colocava suas piadas à prova do real, confrontando-se com pessoas que às vezes sequer sabiam que faziam parte de um filme, explorando o mecanismo das pegadinhas e das câmeras escondidas. Além do incômodo da temática, a forma também era eticamente contestável, porque nunca explicava ao espectador onde terminava a realidade e onde começava a encenação.
Se o conceito era questionável, ao menos ele era coerente, e tinha o mérito de explorar até o fim o propósito da paródia pelo distanciamento, pela recusa da identificação – afinal, qual americano gostaria de se reconhecer nos personagens ignorantes e patéticos mostrados em tela? Mais do que engraçados, Borat e Brüno eram perturbadores, e finalmente reflexivos no que diz respeito à cultura americana.
Foto - FILM - Dictator : 188021Em O Ditador, no entanto, o comediante muda radicalmente sua técnica. Sumiu a suposição do real: esta história é claramente roteirizada do início ao fim; não houve improvisação, todos os participantes estão conscientes de estarem em um filme. Mesmo algumas estrelas como Ben Kingsley e John C. Reilly aparecem em pequenas cenas, torturando o protagonista ou lambendo suas axilas.
Assim, o diretor Larry Charles confronta-se pela primeira vez à linearidade, à obrigação de contar (e desenvolver) uma história do começo ao fim. Nasce então um grande problema, ao percebermos que nem o roteiro, nem a montagem conseguem trabalhar nos moldes da comédia tradicional. Todas as piadas são lentas, longas, retornam em cenas paralelas e perdem grande parte da comicidade pela falta de ritmo.
O tema de um ditador confrontado à cultura americana poderia significar que teríamos mais uma vez uma crítica da cultura estadunidense pela metáfora do estrangeiro, como era o caso de Borat e Brüno. Mas os cidadãos americanos são curiosamente poupados nesta produção inofensiva, domesticada, preferindo piadas escatológicas às crônicas sociais. Sendo um filme sobre a política, é imperdoável que O Ditador seja tão pouco politizado, tão inocente.
Em um (raro) bom momento, quando o general Aladeen faz um discurso para as Nações Unidas, ele passa a comparar os Estados Unidos com uma ditadura, encontrando um número deliciosamente perverso de semelhanças entre ambos os regimes. Nesta hora, pode-se pensar que finalmente a produção encontrou sua ambiguidade, sua veia crítica, mas alguns minutos depois o personagem atenua suas palavras, corrige o que disse e acaba fazendo uma defesa à louvável democracia americana.
Talvez pela dificuldade de financiar uma produção sobre ditadores islâmicos, ou talvez para atingir um público maior, O Ditador trocou o duplo sentido por um filme explícito e repleto de boas intenções. Baron Cohen não incomoda mais, também não faz mais rir. Seu ditador parece mais um Debi & Lóide norte-africano, um general Trapalhão. Em busca de público, o filme perdeu sua mensagem.

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